Muito se fala de desconstrução de gênero na música, mas as mulheres raramente são protagonistas dessa história – já repararam?
Sim, pessoas como Liniker são maravilhosas não só por seu talento artístico mas por trazerem à luz a discussão sobre gêneros e seus papéis sociais. A gente não nega a importância de pessoas nascidas e socializadas como homem quebrarem padrões e assumirem características “femininas” com objetivo de discutir a questão de desconstrução de gênero.
Mas por que mulheres que fazem e fizeram o mesmo durante tanto tempo não são consideradas como exemplos ou vozes dessa desconstrução? Há muito anos brigamos para que nosso papel no mundo não esteja diretamente ligado à aparência ou ao nível de sensualidade expressada, principalmente quando tratamos de mulheres artistas.
Precisamos falar de Cássia Eller
A problemática é que as pessoas só validam a desconstrução de gênero quando veem um homem desconstruidão da p*rra usando saia, por exemplo. Não entendam errado. O nosso problema não é com o homem que usa saia e batom, muito pelo o contrário. Ele tá dando a cara à tapa numa sociedade incrivelmente machista. O problema é que quem tá ao redor não enxerga que o que uma mulher já estava fazendo há 20 anos.
Cássia Eller foi dessas que desconstruiu a figura típica feminina e sensual da MPB mostrando ao país inteiro que dava pra ser mulher, e mãe!, sem precisar se encaixar em estereótipos sociais. Cássia quebrou paradigmas com sua sexualidade, sua aparência, sua voz, sua música e foi reconhecida como artista que ultrapassa os séculos. Porém, mesmo que eterno ícone da representação LGBT nos palcos, não seria hoje considerada uma figura dessa desconstrução pois sua personalidade passava longe da lacração necessária.
Enquanto os que lacram recebem os aplausos pela coragem, mulheres como Mart’nália e Maria Gadu, que pisam todo dia na imposição da imagem de gênero feminino, não são vistas como transgressoras e nem ganham voz quando esse assunto entra em pauta.
Hoje temos uma geração que valoriza mais o lacre do que a história. E esse lacre protagonizado por pessoas que nasceram socializadas como homens inclui e valoriza os estereótipos de feminilidade: vestido, saia, batom e a feminilidade – algo que nós lutamos contra há muito tempo. Cês já ouviram a mídia dizer alguma vez que Maria Gadú lacra, por exemplo? Ela, assim como Cássia, Mart’nália, Zélia Duncan e incontáveis outras mulheres, vão exatamente contra a corrente do que é dito como feminino.
A verdade é que o padrão masculino é a norma social. Portanto, homens são aplaudidos e vistos como extremamente corajosos quando quebram a normalidade para assumir aspectos de fragilidade, suavidade e sensualidade entendidos como intrínsecos da mulheridade. Aos olhos da sociedade, não há nada de corajoso em uma mulher que despreza o seu papel decorativo no meio artístico – muito pelo contrário.
O que você acha disso tudo?
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