No Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, Angela Davis – filósofa, ativista feminista e militante dos direitos civis da população negra – lotou a reitoria da UFBA, em Salvador. Além de rever a trajetória da ex-Pantera Negra, reunimos alguns trechos importantes da palestra Atravessando o Tempo e Construindo o Futuro da Luta Contra o Racismo – e o link pra ver (e rever) esse momento histórico. É daqueles engrandecedores, viu?
~ É assim que a universidade deveria ser, todos os dias
Quem disse isso foi Angela Davis, ativista que vem inspirando mulheres há décadas. Em frente à plateia lotada de mulheres negras na reitoria da UFBA, em Salvador, ela não escondia o sorriso pela acolhida. Mais de 400 pessoas conseguiram lugar, incontáveis ficaram do lado de fora.
Em toda sua trajetória – e não foi diferente na Bahia, que visitou pela quarta vez –, ela fez questão de trocar experiências com gente de todas as idades. Sempre fala e escuta com atenção: vê-la entre os estudantes é imaginar uma conversa costurada por afeto.
~ Qualquer movimento que tenha expectativa de provocar uma mudança duradoura deveria reconhecer a importância da comunicação entre diferentes gerações.
História, luta, esperança: a militância de Angela Davis é sua própria vida
A ex-Pantera Negra é daquelas pessoas que, de tão formidáveis, nos dão vontade de encurtar caminhos e dizer (o clichê) ~dispensa apresentações. Mas a verdade é que apresentar Angela Davis é, mais do que a chance de repensar sobre o que ela faz/diz/escreve, uma obrigação: quanto mais mulheres a conhecerem, melhor. Pras mulheres, pro mundo.
Nascida em tempos de segregação racial nos Estados Unidos – na cidade de Birmingham, em 1944, pra ser mais exata –, Angela viveu de perto tudo que combate até hoje. As ações da Ku Klux Klan, que perseguia e matava pessoas negras. Casas de bairros negros sendo explodidas com gente dentro.
Sua carreira na academia começou com literatura francesa. Fez pós-graduação na Universidade de Sorbonne, em Paris. Na Califórnia, foi aluna de Herbert Marcuse. Estudou o comunismo na Universidade Goethe, na Alemanha.
Professora altiva e atuante, foi demitida da Universidade da Califórnia em 1969. O argumento foi a associação com o partido comunista e com o movimento Panteras Negras. Importante dizer: ela fazia parte de uma frente não violenta.
Tratada como terrorista de alta periculosidade, foi acusada de ter comprado armas pra ativistas dos Panteras Negras, que queriam libertar adolescentes acusados de matar um policial. Na ocasião, que virou um confronto direto, morreram o juiz do caso e três jovens. Angela estudava as injustiças do sistema carcerário e seu nome estaria no registro das armas. Sem provas, foi presa em 1971.
Houve uma campanha global por sua libertação. Centenas de comitês foram criados nos EUA. Músicos famosos se engajaram: John Lennon e Yoko Ono escreveram Angela, os Rolling Stones compuseram Sweet Black Angel. Ela foi solta um ano depois, em decisão de um júri 100% branco.
Feminismo negro pra mudar a vida de todas as pessoas
No Brasil, a tradução de seu livro escrito em 1981 ~ Mulheres, Raça e Classe, pela Boitempo, foi importante pra trazer as ideias de Angela mais pra perto – e, especialmente, pra difundi-las. É uma análise do feminismo de forma interseccional.
Ou seja, Angela leva em conta as diversas estruturas que atuam, ao mesmo tempo, na sociedade: racismo, sexismo, classes. Tudo está entrelaçado, gerando pontos de sobreposição. Um exemplo: um movimento feminista que oprime as mulheres negras carrega diferenças pra além do gênero.
É por isso que ela não luta pra que as mulheres negras sejam “aceitas” na sociedade como ela é: opressora, preconceituosa, injusta. Quer transformar a sociedade como um todo, porque acredita que a liderança das mulheres negras tem esse poder: não olha pro indivíduo, foca no coletivo. Ela acredita que, no momento em que as vidas das mulheres negras forem respeitadas – e importarem de verdade –, o mundo será melhor.
Back to Bahia
“Nós sabemos que as transformações históricas sempre começam pelas pessoas. Essa é a mensagem do movimento Black Lives Matter“. Já de início, Angela Davis mostrou que o reencontro com Salvador – antes, tinha passado por Cachoeira, também na Bahia, onde participou do curso Decolonial Black Feminism in The Americas – seria marcado por seu tom firme e amoroso.
“Já tive a honra de ter sido convidada para conhecer Mãe Stella e seu terreiro e ela falou de seus esforços para preservar a tradição. Também conheci a socióloga Vilma Reis, a Ebomi Nice e muitas outras mulheres negras incríveis. As mulheres negras brasileiras representam o futuro do movimento“.
Ela destacou que, muitas vezes, temos a impressão de que os movimentos por direitos civis nos Estados Unidos são muito mais potentes. Mas que, na verdade, trata-se apenas de ser um país com mais visibilidade no exterior.
“Nós, nos EUA, precisamos aprender com a longa história de luta feminista negra no Brasil. Precisamos saber mais sobre o poder feminista negro dentro da tradição do candomblé. Aprender sobre os movimentos organizados por mulheres negras trabalhadoras domésticas na Bahia.”
Pra sorte de todas nós, a TVE da Bahia registrou a palestra na íntegra. Dá o play :)
_A vinda da ativista a Salvador aconteceu por iniciativa do Instituto Odara, do Coletivo Angela Davis, do Núcleo de Estudos Interdisciplinar da Mulher (NEIM), da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
_Veja aqui o histórico discurso de Angela Davis na Marcha das Mulheres contra Trump, no início de 2017. Tem tradução pro português :)
_O Correio 24h, da Bahia, fez uma ótima cobertura da palestra da Angela Davis na UFBA. O artigo está aqui. De lá, vem as seguintes informações, preciosas pra quem está em Salvador:
- A exposição Lélia Gonzalez: O Feminismo Negro no Palco da História, está em cartaz até 31 de julho no Centro de Culturas Populares e Identitária (CCPI), no Pelourinho. Os quadros reúnem fotografias, cartas, relatos, imagens raras e depoimentos.
- Na sexta-feira (28), acontecem duas atividades: às 15h30, tem o Sarau das Pretas, comandado pelo Slam das Minas BA; e às 16h, sete mulheres negras consideradas referências no meio cultural e da militância baiana se encontram para debater o tema ~Avanços nas Conquistas a partir do Legado de Lélia Gonzalez. Vai ser na sede do CCPI, que fica na casa 12, no Largo do Pelourinho.
>> Esteve na palestra? Vai a algum dos eventos? Tem algum relato sobre a Angela Davis? Divide com a gente por aqui ou no #modicesinspira <3
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